Continuamos nossa reflexão a partir da mensagem de Papa Francisco para a
Quaresma 2017 sobre a parábola do homem rico e do pobre Lázaro (cf. Lc 16,
19-31). Deixemo-nos inspirar por esta página tão significativa, que nos dá a
chave para compreender como temos de agir para alcançarmos a verdadeira
felicidade e a vida eterna, incitando-nos a uma sincera conversão.
1. O outro é um dom
A parábola inicia com a apresentação dos dois personagens principais,
mas quem aparece descrito de forma mais detalhada é o pobre: encontra-se numa
condição desesperada e sem forças para se solevar, jaz à porta do rico na
esperança de comer as migalhas que caem da mesa dele, tem o corpo coberto de
chagas, que os cães vêm lamber (cf. vv. 20-21). Enfim, o quadro é sombrio, com
o homem degradado e humilhado.
A cena revela-se ainda mais dramática, quando se considera que o pobre
se chama Lázaro, um nome muito promissor pois significa, literalmente, «Deus
ajuda». Não se trata duma pessoa anônima; antes, tem traços muito concretos e
aparece como um indivíduo a quem podemos atribuir uma história pessoal. Enquanto
Lázaro é como que invisível para o rico, a nossos olhos aparece como um ser
conhecido e quase de família, torna-se um rosto; e, como tal, é um dom, uma
riqueza inestimável, um ser querido, amado, recordado por Deus, apesar da sua
condição concreta ser a de uma escória humana (cf. Homilia na Santa Missa, 8 de
janeiro de 2016).
Lázaro ensina-nos que o outro é um dom. A justa relação com as pessoas
consiste em reconhecer, com gratidão, o seu valor. O próprio pobre à porta do
rico não é um empecilho fastidioso, mas um apelo a converter-se e mudar de
vida. O primeiro convite que nos faz esta parábola é o de abrir a porta do
nosso coração ao outro, porque cada pessoa é um dom, seja ela o nosso vizinho
ou o pobre desconhecido. A Quaresma é um tempo propício para abrir a porta a
cada necessitado e nele reconhecer o rosto de Cristo. Cada um de nós encontra-o
no próprio caminho. Cada vida que se cruza conosco é um dom e merece aceitação,
respeito, amor. A Palavra de Deus ajuda-nos a abrir os olhos para acolher a vida
e amá-la, sobretudo quando é frágil. Mas, para se poder fazer isto, é
necessário levar a sério também aquilo que o Evangelho nos revela a propósito
do homem rico.