A liturgia do sétimo Domingo do
Tempo Comum convida-nos à santidade, à perfeição. Sugere que o “caminho
cristão” é um caminho nunca acabado, que exige de cada homem ou mulher, em cada
dia, um compromisso sério e radical (feito de gestos concretos de amor e de
partilha) com a dinâmica do “Reino”. Somos, assim, convidados a percorrer o
nosso caminho de olhos postos nesse Deus santo que nos espera no final da
viagem.
A primeira leitura Lv 19, 1-2.17-18 que nos é proposta apresenta um
apelo veemente à santidade: viver na comunhão com o Deus santo, exige o ser
santo. Na perspectiva do autor do nosso texto, a santidade passa também pelo
amor ao próximo.
“Sede santos porque Eu, o vosso
Deus, sou santo”. Porque é que o convite à santidade soa como algo de estranho
para os homens de hoje? Porque uma certa mentalidade contemporânea vê os santos
como extraterrestres, seres estranhos que pairam um pouco acima das nuvens sem
se misturar com os outros seus irmãos e que passam ao lado dos prazeres da
vida, ocupados em conquistar o céu a golpes de renúncia, de sacrifício e de
longos trabalhos ascéticos… No entanto, a santidade não é uma anormalidade, mas
uma exigência da comunhão com Deus. É o “estado normal” de quem se identifica
com Cristo, assume a sua filiação divina e pretende caminhar ao encontro da
vida plena, do Homem Novo. A santidade é algo que está no meu horizonte diário
e que eu procuro construir, minuto a minuto, sem dramas nem exaltações, com
simplicidade e naturalidade, na fidelidade aos meus compromissos?
Como o nosso texto deixa claro,
ser santo não significa viver de olhos voltados para Deus esquecendo os homens;
mas a santidade implica um real compromisso com o mundo. Passa pela construção
de uma vida de verdadeira relação com os irmãos; e isso implica o banimento de
qualquer tipo de agressividade, de vingança, de rancor; implica uma preocupação
real com a felicidade e a realização do outro (“corrigirás o teu próximo”);
implica amar o outro como a si mesmo. Tenho consciência de que não posso ser
santo se o amor não se derramar dos meus gestos e das minhas palavras? Tenho
consciência de que não posso ser santo se vivo fechado em mim mesmo, na
indiferença para com os meus irmãos (ainda que reze muito)?
No Evangelho de Mt 5, 38-48 Jesus
continua a propor aos discípulos, de forma muito concreta, a sua Lei da
santidade (no contexto do “sermão da montanha”). Hoje, Ele pede aos seus que
aceitem inverter a lógica da violência e do ódio, pois esse “caminho” só gera
egoísmo, sofrimento e morte; e pede-lhes, também, o amor que não marginaliza
nem discrimina ninguém (nem mesmo os inimigos). É nesse caminho de santidade
que se constrói o “Reino”.
Este Evangelho recorda-me que, ao
aceitar o desafio de viver em comunhão com Deus, eu sou chamado a dar
testemunho da vida de Deus diante de todos os meus irmãos e a ser um sinal vivo
de Deus, do seu amor, da sua perfeição, da sua santidade, no meio do mundo.
Aceito esse desafio e estou disposto a corresponder-lhe?
A leitura que nos foi proposta
coloca, mais uma vez, como cenário de fundo, as exigências do compromisso com o
“Reino”. Sugere que viver na dinâmica do “Reino” implica, não o cumprimento de
ritos ou de leis, mas uma atitude nova, revolucionária, que resulta de um
compromisso interior com Deus verdadeiramente assumido, e manifestado em
atitudes concretas. Exige a superação de uma religião feita de leis, de
códigos, de ritos, de gestos externos e o viver em comunhão com Deus, de tal
forma que a vida de Deus encha o coração do crente e transborde em gestos de
amor para com os irmãos. O que é que define a minha atitude religiosa: o
cumprimento dos ritos, a letra da lei, ou a comunhão com Deus que enche o meu
coração de vida nova e que depois se expressa em atitudes de amor radical para
com os irmãos?
Jesus pede, aos que aceitaram
embarcar na aventura do “Reino”, a superação de uma lógica de vingança, de
responder na mesma moeda, e o assumir uma atitude pacífica de não resposta às
provocações, que inverta a espiral de violência e que inaugure um novo espírito
nas relações entre os homens. Não é, no entanto, esta a lógica do mundo, mesmo
do mundo “cristão”: em nome do direito de legítima defesa ou do direito de
resposta, as nações em geral e as pessoas em particular recusam enveredar por
uma lógica de paz e respondem ao mal com um mal ainda maior. Como é que eu vejo
a questão da violência, do terrorismo, da guerra? Tenho consciência de que a
lógica da violência, da vingança, não tem nada a ver com os métodos do “Reino”?
O que é que é mais questionante, interpelador e transformador: a violência das
armas, ou a violência desarmada do amor?
Jesus pede, também, aos
participantes do “Reino” o amor a todos, inclusive aos inimigos, subvertendo completamente
a lógica do mundo. Como é que eu me situo face a isto? A minha atitude é a de
quem não exclui nem discrimina ninguém, mesmo aqueles de quem não gosto, mesmo
aqueles contra quem tenho razões de queixa, mesmo aqueles que não compreendo,
mesmo aqueles que assumem atitudes opostas a tudo em que eu acredito?
Na segunda leitura de 1 Cor 3, 16-23 , Paulo convida os cristãos de
Corinto – e os cristãos de todos os tempos e lugares – a serem o lugar onde
Deus reside e Se revela aos homens. Para que isso aconteça, eles devem
renunciar definitivamente à “sabedoria do mundo” e devem optar pela “sabedoria
de Deus” (que é dom da vida, amor gratuito e total).
Os cristãos são Templo de Deus,
onde reside o Espírito. Isso quer dizer, em concreto, que, animados pelo
Espírito, eles têm de ser o sinal vivo de Deus e as testemunhas da sua salvação
diante dos homens do nosso tempo. O testemunho que damos, pessoalmente, fala de
um Deus cheio de amor e de misericórdia, que tem um projeto de salvação e
libertação para oferecer – sobretudo aos pobres e marginalizados, aqueles que
mais necessitam de salvação? No nosso ambiente familiar, no nosso espaço de
trabalho, no nosso círculo de amigos, somos o rosto acolhedor e alegre de Deus,
as mãos fraternas de Deus, o coração bondoso e terno de Deus?
A nossa comunidade paroquial ou
religiosa é uma comunidade fraterna, solidária, e que dá testemunho da “loucura
da cruz” com gestos concretos de amor, de partilha, de doação, de serviço, ou é
uma comunidade fragmentada, dividida, cheia de contradições, onde cada membro
puxa para o seu lado, ao sabor dos interesses pessoais?
O que é que preside à minha vida:
a “sabedoria de Deus” que é amor e dom da vida, ou a “sabedoria do mundo”, que
é luta sem regras pelo poder, pela influência, pelo reconhecimento social, pelo
bem estar econômico, pelos bens perecíveis e secundários?
O que é que preside à minha vida:
a “sabedoria de Deus” que é amor e dom da vida, ou a “sabedoria do mundo”, que
é luta sem regras pelo poder, pela influência, pelo reconhecimento social, pelo
bem estar econômico, pelos bens perecíveis e secundários?
( do site Dehonianos )